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Mostrando postagens de 2015

A revolução cruza o Atlântico

Frouxo, inepto e de poucas realizações. A passagem de D. Fernando José Portugal e Castro pelo governo da Bahia foi recheada de críticas. Ele não agia com prevenção e não desenvolvia a contento as funções repressivas que lhe cabiam. Não conseguia refrear as rebeldias dos escravos nem a quebra da disciplina entre os militares, com quem agia como contemporizador. Nas tropas, reinavam a dissolução dos costumes e o desrespeito. Na administração da justiça, atuava em consonância com os interesses dos desembargadores, aos quais sempre defendera. Toda a sua inércia, enfim, abriu caminho para a propagação das ideias revolucionárias francesas na região. D. Fernando foi o 50º governador da Bahia. Nasceu em 1753 e faleceu no ano de 1817, já como Marquês de Aguiar, no Rio de Janeiro. Aristocrata aparentado com D. Maria I, ocupou vários cargos além do governo baiano. Antes de chegar ao Brasil, foi membro da Relação do Porto e, depois, Desembargador da Relação de Lisboa. Entre 1801 e 1806 foi Vice-R

O iê-iê-iê faz 50 anos

HERBERT CARVALHO A transformação da juventude em elemento propulsor do capitalismo por meio do consumo de discos e roupas direcionados a esse segmento do mercado, em expansão desde a década de 1950, assumiu ares de suprema ironia no Brasil quando, em 1965, o politizado publicitário Carlito Maia foi encarregado de batizar um programa de televisão. “A TV Record, de São Paulo, buscava uma alternativa para a transmissão ao vivo do futebol nas tardes de domingo, que os clubes decidiram proibir porque estava esvaziando os estádios. O proprietário da emissora, Paulinho Machado de Carvalho, mostrou o vídeo de um cantor do Rio de Janeiro, futuro apresentador do programa, que se chamaria Festa de Arromba. O cara era sensacional, mas o nome, horrível. Então veio a ideia, de uma frase de Vladimir Lênin: ‘O futuro do socialismo repousa nos ombros da Jovem Guarda’.” A troca do nome de um dos sucessos iniciais da dupla Roberto e Erasmo Carlos pela expressão cunhada, em contexto totalmente diverso,

Quem te convidou?

Visita inesperada a uma aula de História gera discussão entre o professor, republicano militante, e o conde d’Eu, representante da monarquia No meio da aula, entra na sala uma autoridade. São tempos tensos, e o professor, que se opõe ao regime vigente, aproveita a situação para afrontar o nobre visitante, acusando sua família de responsabilidade por um antigo massacre. Os alunos passam então a assistir, incrédulos, a um acalorado bate-boca – “Isso é que é lição de História!”, pode ter pensado um deles. Teria toda a razão... O episódio inusitado aconteceu em 1882, e simboliza perfeitamente a crise política que dominava o país anos antes da proclamação da República. De um lado, Alfredo Moreira Pinto, o professor, republicano convicto. Do outro, o conde d’Eu, o visitante, ilustre membro da família imperial. Bastou um gesto interpretado como descortês pelo mestre para que o conflito viesse à tona. Assim que entrou na sala de aula, o conde d’Eu não tirou o chapéu. Vindo de um membro da

Moralismo capenga

O combate à corrupção foi palavra de ordem durante a ditadura. Nos porões do regime, porém, a ilegalidade prevaleceu. Combater a corrupção e derrotar o comunismo: esses eram os principais objetivos que fermentavam os discursos nos quartéis, às vésperas do golpe que derrubou o governo João Goulart, em março de 1964. A noção de corrupção dos militares sempre esteve identificada com uma desonestidade específica: o mau trato do dinheiro público. Reduzia-se a furto. Na perspectiva da caserna, corrupção era resultado dos vícios produzidos por uma vida política de baixa qualidade moral e vinha associada, às vésperas do golpe, ao comportamento viciado dos políticos diretamente vinculados ao regime nacional-desenvolvimentista. Animado por essa lógica, tão logo iniciou seu governo, o marechal Castello Branco (1964-1967) prometeu dar ampla divulgação às provas de corrupção do regime anterior por meio de um livro branco da corrupção – promessa nunca cumprida, certamente porque seria preciso admit

A Independência delas: na Bahia, a luta pela emancipação do Brasil mudou a vida de muitas mulheres, dentro e fora do campo de batalha

Desesperada com a reviravolta que acometera sua vida, Ana Joaquina do Livramento apresentou um requerimento a D. Pedro I quando o imperador visitou a Bahia em 1826. Natural de Salvador, casada com Elias Pinto de Siqueira, ela pedia uma esmola, alegando que vivia “pobremente e em grande necessidade pela falta de seu esposo”. Desde “a guerra dos lusitanos, nunca mais tive notícias dele”. Aproveitou para lamentar “a falta de dois escravos que pereceram na guerra; e o grande roubo que os ditos lusitanos se fizeram quando a suplicante se retirou para o Recôncavo”. Não sabemos se o requerimento de Ana Joaquina foi atendido, nem o que aconteceu com seu marido, mas uma coisa é certa: assim como ela, milhares de baianas tiveram a vida abalada pela guerra da Independência. E não somente como vítimas de uma luta travada entre homens. Muitas mulheres participaram ativamente da batalha patriótica, buscando melhorar sua sorte e chegando a pegar em armas. Dos primeiros conflitos armados entre b

Hoje, 26.01, comemora-se o aniversário de Santos - 469 anos, ERRADO, SÓ QUE NÃO (OU A PERSISTÊNCIA DA MEMÓRIA)

A cena é uma constante, há anos, décadas, em rodas de nativos conversando nas praias santistas. Alguém solta um "Nossa, a praia hoje tá cheia de paulistas", para imediatamente alguém sacar a correção: "Paulista a gente também é, seu burro! Você quer dizer paulistanos". Será burro mesmo? Ao contrário do que os corretores pensam, quem diz "paulista" para designar os forasteiros não está assim tão louco ou errado. Afinal, quando o núcleo urbano de São Paulo foi fundado, ele era apenas mais uma vila da Capitania de São Vicente. Todo mundo nesta parte da Colônia era vicentino. Quem nascia na vila de São Paulo era paulista. E vicentino. Como a vila do planalto de Piratininga colonizava por conta própria, com seus índios, os sertões às margens dos rios Paraíba e Tietê, os habitantes de toda essa enorme região costumavam ser também considerados "paulistas". Mas o litoral, mais antigo, povoado e 'europeu', não se incluía nisso não. Entre 1681 e

São Paulo não é a avenida Paulista. São Paulo é a resistência na periferia

Leonardo Sakamoto 25/01/2015 10:28 Logo após a fundação da vila de São Paulo de Piratininga, José de Anchieta, com a ajuda de índios catequizados, ergueu um muro de taipa e estacas para ajudar a mantê-la “segura de todo o embate”, como descreveu o próprio jesuíta. Os indesejados eram índios carijós e tupis, entre outros, que não haviam se convertido à fé cristã e, por diversas vezes, tentaram tomar o arraial, como na fracassada invasão de 10 de julho de 1562. Grande dia aquele. Ao longo dos anos, a vila se expandiu para além da cerca de barro, que caiu de velha. Vieram os bandeirantes (cada povo tem os heróis que merece) que caçaram, mataram e escravizaram milhares de índios sertão adentro, mas também ampliaram o território brasileiro em sua busca por riquezas. Da África foram trazidos negros, que tiveram de suportar árduos trabalhos nas fazendas do interior ou o açoite de comerciantes e artesãos na capital. No início do século 19, a cidade tornou-se reduto de estudantes de direi